Blog do Carpinejar

PELO PREÇO DE UM


Arte de Eduardo Nasi
 
O pedreiro é o bagaceiro, o feirante é o galanteador.

São duas formas emblemáticas de aproximação.

O pedreiro não está seduzindo: grosseiro, tosco, impulsivo. Desabafa apenas o desejo da hora. Interrompe sua atividade e grita de onde estiver, do muro, do andaime, do fundo do prédio. Abandona o martelo, a britadeira e a pá para exercer alguns minutos de ofensa social.

A cidade inteira vira para acompanhar seu teatro. Não é um movimento discreto. Assobia e berra ao rabo de saia com o alcance de uma buzina. Tão agressivo que não pode ser sério. Está mais se exibindo para seus colegas do que se colocando à disposição.

É molecagem mesmo, cão latindo.

Expõe sua virilidade no trabalho para que ninguém duvide que gosta de mulher. Simples assim. O grito deve aparecer na carteira de trabalho.

O feirante é de uma outra escola, realmente conquista, usa sua voz para criar suspense e atrair atenção da freguesa. Chama para perto favorecendo seu talento de malabarista.

Nunca trata a interessada sem olhar nos olhos. É senhora ou senhorita, altamente cerimonioso. Explica as promoções, questiona a vida fazendo brincadeiras e interagindo com os produtos na mão.

A cantada da construção civil é muito diferente da abordagem da feira.

O pedreiro joga a pedra, o feirante lapida.

O pedreiro atropela, o feirante oferece carona.

O pedreiro buzina, o feirante rumina.

O pedreiro despreza informações extracampo: não pergunta se a mulher tem família, marido, filhos. Atua com a desfaçatez de líder de torcida organizada.

Já o verdureiro não queimará seu filme, tem noção de que ela virá na próxima semana de novo, suas frases sondam o estado civil, os hábitos, onde mora, sempre com cuidado e delicadeza.

Se o pedreiro procura destruir a relação antes de começar, o feirante busca firmar o reencontro.  É o malandro do bem. Oferece lascas de abacaxi, tira vantagem da intimidade interpretando as vozes das frutas. Não é ele, são as frutas.

— Vê que suculenta?

— Prova, é um pedacinho do paraíso.

— Basta chupar uma vez que dá vontade de morder.

Produz claras alusões ao sexo, mas dentro de um contexto impossível de ser incriminado.

O feirante nunca vai falar que sua cliente é tesuda, bem gíria de pedreiro. Dirá:

— Que saúde, patroa!

Ele cumpre a façanha de elogiar o corpo feminino jamais ofendendo. É uma indireta espirituosa. Nenhum advogado poderá acusá-lo de assédio. Saúde significa seios fartos e bunda voluptuosa. Mas pode ser pulmão limpo e cuidados alimentares. E serve para qualquer faixa etária e gênero.

Na dúvida, o melhor é rir e levar um melão maduro.
 




Crônica publicada no site Vida Breve
Colunista de quarta-feira
 

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