Blog do Carpinejar

QUANDO DEI BANHO EM MINHA MÃE

Não subestime a criança. Não deixe de contar para ela o que está sentindo. Não espere que ele fique adulta para esclarecer as sombras do passado - pode ser tarde demais, pode custar terapias e confusões inacreditáveis. É preferível que a criança enfrente a verdade do que os monstros de sua imaginação. Se você está chorando e o filho pequeno se aproxima perguntando o que foi não diga que não é nada, estabeleça claramente que não está num dia bom e narre as suas preocupações. Se fingir, a criança aprenderá a mentir e a esconder os próprios sentimentos vida afora. Demonstrará que não confia nela. E ela tampouco abrirá o seu coração quando precisar. Na adolescência, fechará a porta do quarto e de seus segredos afirmando também que não é nada.

Filho é filho não importa a idade - terá condições de absorver do seu jeito. É um telepata das emoções. Uma esponja das crises. Criança entende mais rápido o que vem acontecendo do que você imagina - entende e resolve com um abraço, entende e resolve com um beijo, entende e resolve com um cartão, entende e resolve melhor que muito marmanjo oferecendo ternura em vez de palavras ásperas de ordem, restrição e sermão.

Quando tinha sete anos, a minha mãe não camuflou a sua dor. Desabou em lágrimas na minha frente expondo que o casamento com o meu pai havia terminado. Eu era um toco de gente e ela me pediu ajuda. Não me assustei. O desespero infantiliza o outro, e de repente a senhora dos meus cuidados tornou-se a minha primeira filha.

Eu peguei a minha mãe pela mão e falei:

- Vou lhe cuidar.

Acendi algumas velas e depositei no canto da banheira, preparei um banho bem quente, despejei um pote de xampu na água, para criar espuma, e esfreguei as suas costas lentamente, enquanto ela expulsava os soluços. O escuro com as chamas tremeluzindo lhe deu alguma esperança de igreja e promessa. Escoltei a sua saída para pisar no tapete, entreguei uma toalha e ela dormiu mais cedo naquela noite. Vigiei o seu sono até que a respiração voltasse ao normal.

Nunca mais nos separamos por dentro, nunca mais nos omitimos descobertas e aflições.

O mundo continuou sendo o nosso ventre.

Publicado em Jornal Zero Hora em 09/01/2018

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