QUEM VAI SUBIR NO TELHADO PARA ARRUMAR A ANTENA?
Não havia canais por assinatura, somente televisão aberta.
Não havia sequer controle remoto, ligávamos e desligávamos a TV girando um botão no aparelho.
Na infância, antes de a preguiça nascer, a televisão dependia de uma antena no telhado e de uma antena em cima da tevê.
A imagem chuviscava, dobrava, encurtava, piscava dependendo do vento. Um deus nos acuda quando o sinal desaparecia de repente no meio do noticiário ou numa cena de beijo.
Em alguns momentos, um Bombril nas pontas da anteninha interna resolvia a tremedeira. Em outros, era preciso criar uma operação de guerra. Alguém tinha que subir no telhado e mexer na antena externa. Na minha família, costumava ser o pai. Mesmo gordo, o pai recebia a missão de homem da casa. Mas seu trabalho exigia uma equipe de apoio, de no mínimo mais duas pessoas.
O pai pegava a escada, apoiava-se nas calhas, pisava cautelosamente nas juntas e tentava deslocar as pontas de metal, infinitamente, com o objetivo de localizar o ponto exato da definição do canal. Só que ele não estava na frente da televisão – estava já em cima, às cegas.
Um irmão, posicionado na sala, narrava o andamento de cada intervenção:
– Ainda ruim, melhorou, assim, não mexe, volta volta, ótimo!
Mais um, de guarda no pátio, controlava a gesticulação da figura paterna e traduzia o que estava sendo dito do fundo da residência:
– Mais para a esquerda, mais para a direita!
A mãe, desesperada, implorava para o pai não cair. Rezava e gritava ao mesmo tempo:
– Desce daí, Ave Maria cheia de graça, você vai morrer, o Senhor é convosco, não seja estúpido, bendita sois Vós entre as mulheres...
Não se ouvia ninguém direito, numa gritaria sem tamanho.
Naquela época, consertar a TV custava malabarismo e a própria vida.
Mexe pra cá, mexe pra lá, a aventura poderia demorar duas horas. Um movimento brusco, inexato, botava tudo a perder.
O pai não desistia enquanto não recuperava a fixação da imagem. Usava os dedos como pinças, empurrando delicadamente as hastes, em concentração apurada de ladrão de cofre.
Assim que descia, com o retorno da nitidez do aparelho, tornava-se o herói familiar, o nosso bombeiro, o nosso salvador dos programas dominicais, abraçado por todos, ovacionado por declarações de amor.
Ele fingia humildade:
– Não fiz nada além do meu dever.
Pena que sua fama duraria pouco, até a próxima tempestade, quando a mãe lhe culparia pela porção de goteiras.
– Com seu peso, quebrou as nossas telhas. Você não presta.
Encontrávamos um final feliz unicamente nas novelas.
Publicado no jornal Zero Hora
Porto Alegre (RS), Edição N°