RIFAS DO AMOR
Texto Fabrício Carpinejar
Foto Gilberto Perin
Casamento não é recompensa. Você não pode fazer ou deixar de fazer por aquilo que o outro oferece. Moldar-se pelas gratificações cria o inferno das frustrações. Quem realiza uma gentileza para ser beneficiado sofrerá na hora de agir e também durante a espera. A contrariedade do gesto - ter uma vantagem em
vista - aumenta posteriormente a cobrança.
O que existe de gente que apaga o seu temperamento na relação quando não recebe o equivalente em troca. Se era amoroso, para de ser diante do laconismo de seu par. Se era alegre e cantante, para de ser em função da rabugice do seu par. Se servia café na cama, suspende a regalia quando não tem retribuição. Se largava bilhetinhos derramados pela casa, economizará papel e caneta na ausência de resposta.
Não devemos nos submeter a causa-efeito. Talvez o comportamento dependente de troféus e estímulos venha da infância. Os pais nos condicionam a cumprir as tarefas mais prosaicas com algum brinde: come tudo no prato que tem direito a sobremesa, arrume o quarto e pode sair com os amigos, acabe os temas da escola e ficará liberado para jogar PlayStation. O risco é carregar as promissórias em aberto para a vida adulta e não se desvincular dos incentivos familiares.
A necessidade de lucrar emocionalmente apaga a espontaneidade dos laços. Os primeiros meses da relação são perfeitos porque a fatura ainda não fechou. É se enxergar sozinho na oferta e desencadeia a avareza e as queixas.
Aquele que é romântico de olho no paparico em seguida não é verdadeiramente romântico - é oportunista. Aquele que cozinha para depois não se mexer no sofá está investindo em seu egoísmo.
Ou você gosta de amar, independente do resultado, ou a sua felicidade será sempre emprestada.
Publicado no Jornal O Globo - Blog
Coluna Semanal
21.10.2016