Blog do Carpinejar

UMA JOIA DE FUSCA

Zenir Disott é tão apaixonado por Fusca que já teve dois, e de vez em quando pede emprestado o modelo verde 1971, do vizinho.Fotos de Adriana Franciosi

(  ) Fusca não é um veículo, mas um familiar.
(  ) Troca-se de carro, não de Fusca, ele permanece como herdeiro para os filhos.
(  ) Fusca é o único automóvel que recebe apelido.
(  ) Fusca nunca será passado em Joia.
(X) Todas as alternativas acima estão corretas.

O município de 8 mil habitantes, a 424 quilômetros de Porto Alegre, demonstra ter a maior frota do carro no RS, proporcionalmente à população. Dez minutos no centro e cinco Fuscas passam, rugindo de vaidade a cada seta e curva.

– O Fuca, como o gaúcho diz, sem o s, é a nossa adoração – afirma a advogada Lígia Bernardes.

Agricultores usam o Fusca para o vaivém da lavoura, jovens empregam o Fusca para conquistar gurias. Em Joia, ele sequer saiu de moda. A cidade é uma Cuba brasileira dos carros antigos, um museu a céu aberto, um túnel no tempo.

– Sempre tem um deles por semana para consertar. Ele forma minha aposentadoria – comenta o mecânico Sani Jorge Goulart, 50 anos.

O carro zero mais vendido no mundo em 1972 e atualmente o usado mais revendido no país é a paixão de Zenir Disott. O gaudério já teve dois deles, e não cansa de sua praticidade. Para andar um pouquinho no modelo verde de 1971 do vizinho, até se oferece para uma boa ação, como levar a filha do compadre, Aline Facin, 25 anos, à rodoviária.

– Não há necessidade de pedir licença, é o carro mais próximo do cavalo em termos de confiança.

Sua vida foi influenciada pelo Fuca.

– Aprendi a dirigir nele, tive a primeira namorada nele, às vezes tinha que abrir o vidro para dar espaço ao amor.

– Fusca vale para quem trabalha e para quem coleciona. É disputado como relíquia. Investe-se mais aparelhando o Fusca do que se gasta comprando um veículo novo – conceitua o comerciante Marion Alves, 48 anos.


Existe toda uma história de cobiça secreta para garantir a sonhada máquina na garagem. Marion surpreendeu o filho Glauber, 26 anos, no Natal de 2010. Ofereceu um Fuscão preto de presente. O rapaz viajou a trabalho para Panambi, onde é funcionário público concursado. Seu irmão Glauco, 23 anos, ficou o responsável por cuidar do Negrinho. Feito o golpe de estado.

– Vá que um dia Glauber veja meu capricho (lavo a carroceria semanalmente), e me libere o auto para sempre – chantageia.

– Se acontecer, juro que canto na praça a canção de Almir Rogério: Fuscão preto você é feito de aço/ Fez o meu peito em pedaços.

Apesar dos 1m86cm, Glauco entra facilmente no carro:

– Fuca tem um fundo falso.

Sua teoria é de que o Fusca sensibiliza o dono pela humildade e pela aparência terna de besouro, de capô redondo e faróis graúdos parecidos com olhos de órfão.

– É simples e confortável, a manutenção é fácil, não precisa entender de mecânica, ele entrega seu coração sem mistério.

Acostumado a viajar para Ijuí, a 40 quilômetros de Joia, o Fuscão preto não o deixa na mão. Um arame e uma caixinha de fósforos são seu pronto-socorro.

(X) É o carro que mais ressuscita quando morre.








Publicado no jornal Zero Hora
Série semanal BELEZA INTERIOR
(Em todos sábados de 2011, apresentarei meu olhar diferenciado sobre as cidades, as pessoas e os costumes do RS)
p. 30, 21/05/2011
Porto Alegre, Edição N° 16706
Veja vídeo de Glauco Alves, 23 anos, dá uma volta por Joia no Fuscão preto.

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