VODU DA SEPARAÇÃO
Texto: Fabrício Carpinejar
Foto: Gilberto Perin
Como você morava junto, fazia tudo junto, ainda pensa que a outra pessoa está ligada mesmo depois da separação.
Jura que o outro faz o que você faz: se chora o outro também vem chorando, se tem um ataque de pânico o outro também suporta aceleração cardíaca, se segura o celular para esperar uma ligação o outro também aninha o celular com ansiedade, se escuta aquela música que vocês se conheceram o outro também está cantando na mesma hora com a voz embargada. Vive a ilusão da telepatia, a miragem da correspondência emocional, a síndrome da duplicidade do sofrimento.
Não desligou o Wi-Fi da sua alma e mantém o acesso do antigo parceiro às fontes de seus pensamentos.
Tranca-se no quarto, esquece que tem casa e coloca na cabeça o que o seu coração manda. Alimenta a fantasia de que a ruptura dos laços criou uma alma gêmea sofredora. Ele é você - como se estivessem dividindo um único corpo de arrependimento e orgulho ferido.
É o vodu da separação, com a diferença de que você é o boneco. Acaba se maltratando para repercutir agulhadas em seu objeto amado e agora distante.
Não come e acredita que o outro não estará comendo, não dorme e acredita que o outro não estará dormindo, não sai e acredita que o outro amarga idênticas privações, faz paralisação da felicidade e acredita que o outro não aproveita os antigos prazeres.
Todo o ex é um fantasma - o defunto amoroso não tem direito de resposta e permite o surgimento de fantasias totalitárias.
A abstinência pode durar duas a três semanas, até que rompe o casulo e
vai espiar o Facebook de quem gostava e descobre que nada disso aconteceu: só fotos de festas, piscina, bares, sorriso, algazarra com os amigos, leveza e descompromisso.
É a maior decepção, enxerga-se enganado, traído, como se não valesse nem o intervalo do luto. A vontade é telefonar e soltar os cachorros feridos: eu agonizando por você e você nem aí para mim.
Não vale a ligação. Não vale mais nada. Penou todo o tempo sozinho, como de repente amou o tempo todo sozinho.
Perceber que não são a mesma pessoa é o caminho para o amadurecimento. Daqui por diante, exponha as desilusões por você, não mais pelos dois, já que morreu a dependência. Não dê desculpas pelos dois, não justifique o fim pelos dois, não invente esperanças pelos dois, não mantenha a porta aberta pelos dois. A separação nunca será solidão a dois. Por isso que é separação: para cada um sofrer do seu jeito ou simplesmente não sofrer.
O amor, antes ditadura de um único sentimento, tornou-se democracia para os demais sentimentos, inclusive da indiferença.
Publicado na coluna semanal do Jornal O Globo
02.06.2016